A crítica gastronômica, a quem interessa?

A gastronomia é um fenômeno social, cultural, econômico, e diverso, que, nos contextos do mundo virtual, ganha múltiplas formas de expressão e de possibilidades para sugerir experiências, que buscam no ato de comer e de beber formas ampliadas para inserção e prestígio social.

E esta inserção e prestígio são adquiridos nos crescentes processos da crítica gastronômica, que cada vez mais vêm influenciar o consumo.

Também, o mundo virtual é um campo aberto aos mais diversos olhares, empirismos, e maneiras de localizar o mercado da gastronomia nos seus mais variados tipos e estilos; onde frequentemente ocorrem formas de avaliações que estabelecem verdadeiros direcionamentos para o consumo.

Avaliações, valorizações, rotulações, classificações, construções de verdadeiros estigmas, atuam muitas vezes como formas danosas para muitos segmentos produtivos da alimentação, além de influenciar os cardápios, as receitas, e outras expressões que fazem parte do entendimento pleno da comida.

Nestes cenários da comunicação multimidia, convivem as mais distintas maneiras de expressar avaliações sobre a comida, de expressar interesses diversos, que na sua maioria são de base econômica; e, desse modo, marcar o consumo que, entre outras formas subjetivas, buscam o prestígio, seja de indivíduos, de restaurantes, de chefes; ou de produtores agrícolas. E tudo isso ocorre geralmente através das premiações, da escolha dos “melhores”, de atestações comprometidas com os mais diversos mercados.

Assim, vive-se um confronto com as poderosas redes de fast food de presença e ação mundial, com os monopólios de grupos que dominam os mercados das comidas processadas e super processadas, em âmbito mundial; entre tantas outras manifestações do poder virtual que é econômico, dominador, fomentador, que cada vez mais dita o que devemos comer.

Ainda, nestes cenários, os atos simbolizados da alimentação tradicional, convivem, em contextos globalizados, com as dinâmicas determinantes das tendências do mundo virtual sobre aquilo que devemos consumir, geralmente para atender processos prioritariamente marcados pelos interesses dos mercados.

Aí, o valor da alimentação torna-se apenas um valor econômico, um produto para seguir o que os monopólios ditam.

E nestes ambientes do poder econômico, o direito de preservar as escolhas do que comer, porque comer, onde comer, em que rituais sociais estão as maneiras de se alimentar, fragilizam-se. E nada aponta para os lugares da soberania alimentar.

As escolhas das comidas integradas aos seus cenários sociais, econômicos e culturais, entram em confronto com as disputas pelos mercados de consumo. E nos contextos da insegurança alimentar e da soberania alimentar, da sazonalidade dos ingredientes, da biodiversidade, da agricultura familiar; e dos diferentes meios de produção que unem a sanidade dos alimentos, dão espaço para as crescentes ofertas do que chamamos de junk food, comida-lixo.

Tudo acontece a partir do mundo virtual, onde há uma espécie de autorização generalizada para avaliar, independente da competência do avaliador, da sua capacidade e conhecimento sobre aquilo que ele avalia, sejam as técnicas gastronômicas ou outra das diversas fases que envolvem a alimentação, para assim, pontuar e criticar as comidas, as bebidas, os restaurantes, e outros temas que fazem parte desse amplo e complexo campo da gastronomia.

Entretanto, por que classificar, rotular, estigmatizar é tão necessário? Porque é preciso nestes jogos sociais ter o poder que nasce na crítica gastronômica, diga-se crítica gastronômica de interesse pessoal ou de interesse de grupos, ou de uma indústria de alimentos, numa verdadeira floresta de avaliações baseadas em achismos e de falas que se autorizam.

A partir daí, com estas orientações, são crescentes os pódios das melhores comidas, das piores comidas, dos melhores chefes, dos melhores restaurantes, tudo funciona com autorizações, não se sabe de quem, que atuam como verdadeiros processos de favorecimentos que buscam lucro e prestígio; porque cada vez mais a gastronomia nesse universo midiático virtual ocupa um lugar de prestígio.

De maneira alguma quero elitizar ou mostrar fronteiras na livre expressão do outro. Contudo, as avaliações têm, em muitos casos, força para estabelecer mudanças, e intervir nos mercados da alimentação, no patrimônio alimentar, nos mantenedores das memórias alimentares daqueles que vivem e fazem do ofício nas cozinhas um lugar de expressão da cultura e da identidade.

Esta busca frenética de avaliar tudo, dar nota, criar categorias, hierarquizar lugares com “notas”, sistematizar nichos de poder, cola-se aos ideais da tão livre e avassaladora onda dos críticos. Porque, cada vez mais, todos sabem tudo! Porque a gastronomia, para muitos que se acham autorizados pelo mundo virtual, é um tema para o exercício dos mais diversos olhares e interesses.

Este forte fenômeno social contemporâneo da avaliação se amplia com muita velocidade, e atua decisivamente nos mercados da alimentação e, em alguns casos, são conectados com valores já sacralizados pelo mercado da alimentação, como, por exemplo, a outorga da Estrela Michelin.

Os mercados da alimentação, a categorização dos restaurantes, os critérios de avaliação, sem dúvida, nesta categoria Michelin, é marcada por uma energia consagradora do que se entende como padrão de um sistema gastronômico que tem como referência os conceitos da gastronomia de base francesa. Um verdadeiro franco-centrismo.

Ainda, nestes cenários que fazem parte do jogo do poder da gastronomia, muitas situações contextuais reveladoras de interesses de grupos e segmentos que dominam os mercados da alimentação e do turismo. Assim, há votações populares, premiações autorizadas por grupos, clubes, associações, institutos, e por outros meios de avaliar e de categorizar.

Rotular processos e contextos da gastronomia unem-se a esta crescente onda da necessidade pontuar tudo, coisas, comidas e pessoas, de tudo passar pelos diferentes crivos de análises subjetivas, fundadas nos humores passageiros, numa espécie de controle social de qualidade para tudo.

Espero que esta onda das avaliações empíricas tenham uma tendência efêmera, passageira, porém que estas avaliações quando forem feitas que sejam em bases técnicas e fundamentadas, pois conhecimento é preciso.

 

 

Raul Lody

BrBdeB

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