Ingredientes, receitas, e comidas em âmbito cultural, social e litúrgico, identificam as matrizes africanas, trazem memórias ancestrais, sabedoria e identidades de povos e de civilizações. Destaque para as tradições do golfo do Benin, também conhecido como Costa, “costa dos escravos”, “costa da malagueta”, “costa dos grãos”, “costa do ouro”. Nela estão os Iorubá/Nagô, co-formadores dos patrimônios culturais do Nordeste, em especial, da Bahia.
Destaque par o inhame, a raiz tuberosa que está em muitas receitas do cotidiano e das celebrações religiosas nas duas margens do Atlântico: Brasil e África.
Diz um itã – lenda – que Obatalá, o rei maior, criou o mundo, e precisava frutificar a terra, assim escolheu Okô, o primeiro agricultor, o primeiro que plantou isu – inhame. Por isso, há o tradicional dito Iorubá: “Ba ni je enia Okô” (Se alguém trabalhar perto dele na roça, encontrará o que comer).E assim inicia a civilização do inhame nos sistemas alimentares africanos.
O inhame, raiz tuberosa, da família das Aráceas, está integrado ao imaginário da criação do mundo para o povo Iorubá, e às tradições religiosas dos Iorubá/Nagô no Brasil.
A designação inhame, ainda hoje, é dada às diversas espécies dos géneros Dioscorea, Colocasia, Alocasia e Xanthosoma.
O inhame, ou “inhame branco”, é chamado ainda de “inhame da Costa” e “cará-inhame São Tomé”, o que preserva a sua identidade de procedência africana, no que se pode entender por “terroir”.
O inhame é base para diferentes cardápios, consagradamente de matriz africana, e de consumo litúrgico nas comunidades de terreiro. Ao mesmo tempo, o inhame é uma base alimentar do cotidiano, juntamente com a macaxeira, a farinha de mandioca, o jerimum; entre os demais ingredientes que dão identidade à mesa regional.
O amalá é um pirão feito de farinha de inhame, segundo as receitas tradicionais iorubá; que também pode ser feito com o inhame cozido e amassado, e complementado com um guisado de quiabos, azeite de dendê, carne, pimenta e outros temperos. Esse guisado, em Pernambuco, chama-se begueri, comida ritual do orixá Xangô.
De procedência nigerina o asaro é uma comida a base de inhame cozido em pequenos pedaços. dendê, temperos diversos, em destaque para as pimentas, molho de tomate, cebola, e ainda camarões seco e fresco, peixe seco entre outros. Os inhames são ligeiramente amassados e assim o asaro está pronto para o consumo.
Esta base do asaro com inhame e temperos , também conhecido como “asaro ati ata dindin” mostra uma relação com a comida ritual peté ou ipeté , nos candomblés, dedicado ao oriá Oxum. O “peté” ou “ipeté” é feito com o inhame cozido, acrescido de camarões, cebola e azeite de dendê. E assim forma uma massa, uma comida que é cerimonialmente oferecida na festa do peté de Oxum.
Muitos outros pratos são criados a partir do inhame para a cozinha ritual e para a cozinha do cotidiano nas casas, nas feiras, nos mercados, nos restaurantes. O inhame é rico em ferro, cálcio, fósforo, vitaminas do complexo B.
O maior produtor de inhame no mundo é a Nigéria, país da África Ocidental, onde se encontram os Iorubá/Nagô.
Contudo, o inhame abrasileirou-se e integra as nossas receitas, compõe o nosso paladar. É uma escolha cultural, uma forma de marcar identidade à mesa.
RAUL LODY
(Foto instalação de Jorge Sabino)