O que comer, como comer, como escolher o que comer, são perguntas clássicas que fazem existir tantos, diferentes e complexos sistemas alimentares. E diante de tantas buscas , com certeza há um forte elemento condutor para os ingredientes que está na natureza, na biodiversidade. Porque cada ingrediente traz interpretações simbolizadas pela cultura. E assim nas experiências das escolhas, do fazer e do comer são determinados os melhores aproveitamentos para cada ingrediente.
Com a tradição do homem coletor da natureza, com as folhas, as raízes, os rizomas, os frutos, as flores possibilita uma interação entre ingredientes e a boca do homem. Depois com a caça, com o início da agricultura vive-se uma busca por maiores opções para ampliar os preparos culinários e assim experimentar os seus múltiplos significados .
Sempre a comida valorizada nos melhores aproveitamentos de cada ingrediente . Assim as cozinhas fundadoras mostram a necessidade de uma total utilização da folha, da fruta, da raiz ,da caça, do peixe, entre tantas opções para saciar a fome, para buscar representações de identidade que estão marcadas em cada receita e em cada ritual de alimentação.
Hoje no mundo globalizado ao mesmo tempo que impõe comidas massificadas e super processadas vigora em muitos movimentos, também planetários, a busca pela manutenção e experiência culinária nos inúmeros e diversos sistemas alimentares das civilizações, das etnias ,dos povos do mundo. Assim são valorizados cada vez mais os encontro com as ´técnicas artesanais, com os ingredientes que chegam da agricultura familiar, de acervos da biodiversidade.
Nestes cenários sociais pela diversidade de alimentos, pela biodiversidade, pela pluralidade cultural, pelo direito a soberania alimentar, olha-se para o que a natureza oferece como ingrediente “in natura” e assim é crescente o interesse pelas PANC’S.
Com essa verdadeira “new wave” sobre as PANCS, plantas alimentícias não convencionais vê-se como é muito significativo as muitas possibilidades dos ingredientes “verdes” no estabelecimento de uma compreensão ampliada sobre comida e cultura.
Tudo isso une-se a sabedoria tradicional de cozinheiros, de “ervateiros” ou ”mateiros” também verdadeiros patrimônios vivos que preservam as relações com as inúmeras plantas comestíveis. Ainda acervos significativos de plantas que estarão na medicina e nos rituais religiosos mostram uma imensa variedade de plantas e como são interpretadas nas cozinhas, ou nas preparações de banhos, infusões, entre tantas maneiras de trazer e de interpretar a natureza no convívio com o homem
Nas muitas ”cozinhas” que fazem o acervo patrimonial alimentar da Bahia há a tradição de se comer muitos tipos de folhas em alguns pratos já sacralizados da mesa baiana enquanto verdadeiros processo culinários que possibilitam interpretações e amplo consumo no cotidiano e nas festas
Exemplo do caruru e do efó, preparos com folhas , dendê e complementos . Por que caruru não é um prato exclusivo de quiabos, o caruru pode também ser preparado com variadas folhas, dai o costume de se perguntar o caruru é de quiabo; é efó de que? De taioba, de língua-de-vaca, de bredo, ou major-gomes, maria-gorda, beldroega grande . E ainda o efó pode ser de bertalha, basela, cipó-bobão, folha santa, trepadeira mimosa. É tradicional se fazer efó também de folha de mostarda, e sempre o melhor camarão defumado, o azeite da ‘flor do dendê para esse guisado de folhas tão afro-baiano. E ainda nas interpretações como “amorí e latipá”
Caruru é palavra nativa, do Tupi, significa “erva de comer” e está presente no nosso português vernacular.
Tantos nomes e variedade nesse universo tão cotidiano das comidas que são popularmente consideradas de “mato”, ”mato de comer” conforme as tradições, e ainda como maneiras estratégicas para não se passar fome, e dessa maneira aproveitar as muitas ofertas nativas que fazem essa imensidão de folhas próprias para a alimentação. Folhas que trazem sabores e receitas do cotidiano e algumas das festas, em destaque a maniçoba feita a base das folhas da mandioca.
Certamente a morfologia do tão celebrado e delicioso caruru de quiabos, traz o imaginário das muitas maneiras de se fazer os guisados de folhas. E assim semelhante, com ingredientes também semelhantes, pode-se interpretar essa onda verde tão popular. Porém tudo é nutritivo, alimenta o corpo e em especial o nossa emoção quando experimentamos essas comidas.
Raul Lody.