A mandioca e os sabores telúricos

Registros arqueológicos, pesquisas botânicas e genéticas, ainda buscam as melhores leituras, e entendimentos, sobre esta raiz tuberosa que é fundamental para a mesa do brasileiro, a mandioca. Um ingrediente que faz parte da construção brasileira de uma identidade e de um estilo de comer.

A euforbiácea – Manhiot esculenta Crantz – recebeu sua primeira classificação taxionômica por André Thever, em 1691, no “Plantarum Universalis”.

As raízes da mandioca se assemelham ao formato do nabo. Contudo, apresenta dois ou três pés de comprimento e a grossura de um braço, sua polpa é branca, descreve Jean Nieuhof, em 1682, no “Magnífica Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil”. As folhas são pequenas, longas e se desenvolvem em ramos que os brasileiros chamam de maniçoba, ainda observa Jean Nieuhof.

Sobre o sabor da mandioca, em 1647, Gaspar Barléus, na publicação “História dos Feitos Recentemente Praticados durante Oito anos no Brasil”, relata ser um alimento bastante forte, mais agradável que o pão para os portugueses, para os índios, para os negros, e até para os nossos soldados (neerlandeses).

Vale notar que nessa ocupação da Companhia das Índias Ocidentais do Brasil, especialmente em Pernambuco, os invasores, que queriam o nosso açúcar, tinham muita fome, e comiam tudo que aparecesse, e assim a farinha de mandioca foi a real salvação, pois agregada aos engenhos de se fazer açúcar sempre havia uma “casa de farinha”.

Ainda, sobre os processos artesanais de fazer farinha da mandioca, Jean de Léry destaca uma que é muito cozida, dura, seca, chamada de “farinha de guerra” ou “uhi antan”; e há uma outra que é a farinha puba, menos cozida, e mais tenra ou “uhi”.

Mandioca - Brasil Bom de Boca
Foto de Jorge Sabino

Nacionalmente, a mandioca pode ser chamada de aipim ou de macaxeira, mas elas pertencem a mesma espécie, o que vai variar é a sua quantidade do ácido cianídrico. O seu consumo é amplo e geral e integra muitos cardápios regionais.

Já a goma, outro subproduto da mandioca, é o resultado da decantação da água da lavagem da mandioca. E uma farinha alvíssima, finíssima, sendo utilizada para se fazer tapioca, que pode ser recheada com coco e/ou umedecida com leite de coco; com queijo coalho, e serem servidas em folha de bananeira ou de milho verde; ainda se faz mingau e cuscuz com a farinha de tapioca; bolinhos de goma e, em especial, o beiju.

A partir da goma, há muitas outras receitas, tais como: a “puqueca”, beiju com pimenta e embalado em folha de bananeira; o “curuba”, beiju com massa de castanha de caju; o beiju “membeca”, mais mole; o beiju “tinin”, que é seco diretamente no sol; o “marapatá”, beiju que é assado embalado em folha de bananeira sobre o calor do fogo, um tipo de moquém.

Destaque para os enormes beijus chamados de “beiju-açu”, deste tipo de beiju são preparadas bebidas como o “tarubá” e a “catimpueira”, feitas também com a macaxeira cozida amassada e temperada com mel e gengibre, sendo um tipo de “aluá”, o aluá de mandioca. Outros exemplos de bebidas fermentadas, e artesanais, são o “cauim” e a “chicha”. Também, há o caxiri que é uma bebida fermentada feita com a mandioca ralada e cozida, uma bebida masculina.

Já o “chibé” é mistura quase líquida de farinha de mandioca, água e açúcar, um tipo de mingau para as populações da Amazônia. E no Nordeste, há o tão popular “mingau de cachorro”, feito com farinha, cominho, pimenta do reino, cheiro-verde; e, se possível, ovos; é também uma comida popularmente vendida na rua.

Sem dúvida, a farinha de mandioca é o mais nacional de todos os alimentos no Brasil. De Norte a Sul, as farinhas multiplicam-se em variedades de texturas, de processos artesanais; de temperos, como tucupi, como açafrão-da-terra, coco, como pimenta. Ela pode ser mais grossa, crocante; mais fina, tão fina que lembra areia de praia.

A farinha de mandioca é consumida pura ou acompanhada de uma feijoada, de uma anduzada, de um caruru de quiabo, de uma maniçoba; de um sarapatel ou uma galinha de cabidela; além de muitas outras invenções do bem comer.

Ainda, a partir da farinha de mandioca, nasce uma rica e diversa gastronomia de farofas e de pirões. Farofa d’água, farofa de bolão, farofa de banana, farofa de manteiga; farofa de ovos, farofa abóbora, farofa com azeite de dendê; farofa com leite e carne seca desfiada – farofa de sabiá –; farofa com o molho de alguns guisados, como a cabidela, entre tantas outros. Também, há as farofas feitas diretamente no prato, farinha, pedaço de toucinho, o caldo de carne, de galinha ou de peixe, então é só misturar tudo e enriquecer com pimenta.

Daí se segue para os pirões feitos com os caldos de diferentes cozidos de carnes e de peixes. Há pirões acrescidos de peixe desfiado, de pimentas frescas; pirões de leite, para acompanhar carne de sol, ou mesmo uma condimentada moqueca de pititinga; o tradicional pirão do cozido de legumes e carnes; o pirão da peixada, da caranguejada; entre tantos outros.

A nossa farinha de mandioca também chegou ao continente africano, no período colonial lusitano, e lá, entre as muitas criações, um dos pratos mais notáveis de Angola é o “infunge” ou “funge”, um pirão insosso, e de textura mais elástica, que acompanha as comidas mais condimentadas.

E assim, cada vez mais, a dispersão desta raiz tuberosa nativa ganha os sistemas alimentares do mundo. E a mandioca tem assumido um lugar importante no programa de alimentação da FAO, na busca pela segurança alimentar dos povos.

RAUL LODY

BrBdeB

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