Caviar de quiabo, queijo de caju, acarajé japonês. A esquizofrenia gastronômica

Sem dúvida, há um amplo e diverso território da gastronomia contemporânea que, em muitos momentos, apresenta-se como uma verdadeira “terra de ninguém”, ou seja, onde tudo pode ser possível em função de atender o mercado.

É o mercado econômico que diz aos profissionais de cozinha aquilo que eles têm de realizar, tudo de acordo com modismos dos sistemas de consumo; e, ainda numa busca frenética pela notoriedade a qualquer custo, de alguns chefes ou de alguns autodeclarados chefes. Aliás, hoje qualquer um que use um dólmã pode se autodeclarar chefe.

Nestes territórios crescem das cozinhas e das indústrias da alimentação, muitas e diferentes formas de escolher, usar e transformar, os ingredientes por variados processos culinários. Assim, os ingredientes passam a ser um mero coadjuvante, sendo desvinculados dos seus mais profundos significados para a cultura e para a nutrição, o que faz com que o seu produto final seja uma verdadeira coisificação dos sabores.

Na fome de fama e de aumento do consumo, também há uma verdadeira apropriação dos símbolos de terroir, onde inscrições e proteções comerciais que visam garantir a procedência e a identidade de cada produto são desconsideradas, e, em muitos casos, falsificadas; para assim haver uma expansão dos mercados, e atender falsos processos de criação culinária nos cenários dessa tal gourmetização.

Assim, cada vez mais, aproveita-se das demandas do mercado que querem atender meramente a grupos que buscam se destacar por alguma bandeira, seja do contra ou do a favor de determinado tipo de alimentação, para cumprir com diferentes usos de ingredientes os preparos exógenos, e estranhos aos próprios ingredientes, como, por exemplo, um queijo feito à base de castanha de caju.

É quase sacrificial o uso do ingrediente para satisfazer a fome do mercado consumidor do momento. As identidades passam a ser falsas identidades, o que certamente importa é a comida fashion, a comida do momento; a comida que traz referências de outra forma de se alimentar, é o comer pelo comer.

Nasce um amplo processo idealizado, onde o ingrediente e a comida buscam atender subjetivismos e novos tipos, novos produtos, mas com nomes que possam ampliar e motivar mais e mais o consumo, e na maioria das vezes são comidas que não alimentam, nem sempre boas para o consumo. Há uma negação das questões de âmbito nutricional e de processos naturais da cadeia produtiva, no que diz respeito especialmente aos motivos comerciais, quando a comida e seus ingredientes são meros elementos de consumo, não se tem nenhuma preocupação ética, moral ou cultural, ou mesmo nutricional.

Assim, o mercado irá orientar o desejo do consumidor fazendo com que ele pense que deseja alguma coisa; como algo necessário e que atenda aos seus anseios, seja de modelos exóticos de dietas, entre outros processos organizados que são colocadas em mensagens subliminares pela indústria da alimentação. E, ainda, para atender o que chamo de formalismo gastronômico que é uma ação meramente funcional desvinculada dos princípios culinários integrados ao reconhecimento das comidas na sua identidade plena.

Neste formalismo, há ocorrências culinárias sacralizadas que já são baseadas nas tradições de consumo, como, por exemplo, os tipos: trufa de chocolate; queijo de castanha de caju; peixe salgado tipo bacalhau; queijo tipo parmesão; semente de quiabo sendo nominado de caviar de quiabo; entre muitos outros casos que se apropriam do sentido original do ingrediente, e o reintegram ao mercado e ao consumo numa espécie de farsa alimentar. Estas analogias, que inicialmente querem uma aproximação estética da forma, da cor, da textura; e, sem dúvida, do sabor; que são totalmente falsificados e estranhos aos sabores dos ingredientes originais.

Um caso clássico é o referente ao queijo, Porque queijo é o resultado de diferentes processos do artesanato e ou da indústria a partir de ingredientes lácteos; já as trufas são fungos; o caviar são as ovas de peixe, e, em especial, o esturjão; são alguns exemplos.

Também, é crescente uma espécie de naturalização das nomenclaturas, e de produtos que vão atender o mercado e as mesas dos consumidores, seja de ingredientes e/ou de comidas desvinculadas dos seus princípios elementares de autenticidade e de território; apresentam-se de forma crescente e atestam esta verdadeira esquizofrenia gastronômica.

Ainda, nestes contextos da alimentação, há produtos biológicos, ditos produzidos de maneira sustentável e menos aditivados, que passam a serem incluído numa terra de ninguém. Basta acrescentar no rótulo o prefixo de ‘bio’ para qualquer produto, para formar uma espécie de legitimação, que na maioria das vezes é meramente alegórica.
Assim, essa esquizofrenia gastronômica está na sua negação de ingredientes, e nega os produtos comestíveis originais para substituí-los por outros, que são naturalmente estranhos.

As receitas que buscam, por diferentes motivos, substituir os ingredientes de origem animal de seus produtos para substituir por “outros”, ao mesmo tempo reificam e recorrem as nomenclaturas originais, expondo muitos produtos alimentares que verdadeiramente não são o que dizem ser.

Desse modo, criam-se, por exemplo, açougues veganos com embutidos veganos que são produzidos sem uso de nenhum produto animal. Certamente, todos tem o direito à escolha, às substituições, às opções alimentares por diferentes motivos e processos, entretanto é preciso ser coerente com aquilo que se denomina e que verdadeiramente é oferecido para se comer.

Nominar produtos que originalmente, esteticamente, biologicamente, não condizem com as nominações, e que persistem num anuncio equivocado , torna-se algo que precisa ser mais profundamente estudado, tanto pela gastronomia como pela psiquiatria.

Por exemplo: não como carne animal, contudo vou comer um bife de caju. Por que nominar de bife, será uma analogia a um processo afirmativo de memória alimentar, daqueles que não se alimentam de carne animal?

Tudo isso apenas reafirma um conhecido dito popular: “Comer gato por lebre”.

 

 

RAUL LODY

BrBdeB

Voltar ao topo