Para comer quiabo no prato do Santo

“Cosme e Damião
Vem comer teu caruru
Que é de todo ano
Fazer caruru pra tu

Cosme e Damião
O que é que quer comer
Peixe da maré
Com azeite de dendê

Cosme e Damião
A tua casa cheira
Cheira cravo cheira rosa
Cheira flor de laranjeira”

(Poesia popular da Bahia)

 

Comer o sagrado é viver os rituais sociais e litúrgicos que aproximam, que estabelecem laços entre a pessoa e o seu santo, o seu orixá. E um dos rituais mais notáveis, e tradicionais, desta interação com o sagrado, acontece por meio da alimentação. Como é o caso do “Caruru de Cosme”, que é, ao mesmo tempo, um banquete e uma obrigação religiosa para os Ibeji. Come-se o que o santo come, a ‘obrigação’ para o orixá faz com que o ato da alimentação se torne um ato consagrador e devocional.

O caruru é um prato, mas também é um cardápio, ambos são oferecidos no cumprimento de uma promessa, seja para seguir uma tradição familiar, seja no calendário de festas dos terreiros de candomblé, que envolvem e comovem milhares de pessoas.

Há uma espécie de intimidade na casa, na família, com o caruru ritual de Cosme, como se oferecessem esta comida para crianças amigas; oferecessem o alimento da preferência dessas crianças, e isso está repleto de significados rituais. Também, o caruru é um ato ex-votivo, em que há uma relação com o sagrado, ora interpretado com o santo da Igreja, ora interpretado com o orixá do candomblé, a partir do quiabo e de tudo que ele apresenta enquanto um ingrediente africano e um ingrediente que está na nossa mesa, e nas cozinhas dos terreiros de candomblé.

 

Para comer quiabo no prato do Santo - Brasil Bom de Boca
Foto Jorge Sabino

 

Quiabo e dendê formam a base ritual para as comidas dos santos Cosme e Damião, que são incluídos no sincretismo como os Ibejis, gêmeos divinizados nas tradições da cultura ioruba. Assim, unem-se os cultos religiosos dos santos da Igreja com os ancestrais dos ioruba, que trazem um sentido de fertilidade, de nascimento, de vida; e de manutenção dos orixás protetores das famílias e das mulheres grávidas.

Esses sentidos são celebrados na forma de um cardápio de base africana que é marcado pelo azeite de dendê, onde há: acarajé, abará, xinxim de galinha; feijão de azeite, entre outras. E para essa festa de comer, há uma denominação geral que é caruru, caruru de Cosme ou caruru dos Ibejis.

Ainda, vê-se o oferecimento ritual dessas comidas em que se segue o cumprimento de momentos sagrado, com o chamado de caruru de preceito. Este caruru acontece em rituais públicos, onde geralmente se inicia com uma gamela de madeira com muito caruru de quiabo, e por cima dele a farofa de dendê, os legumes cozidos; entre outras comidas que são colocadas numa esteira, ou numa toalha posta sobre o chão da casa ou do terreiro.

Na sequência, são convidados sete meninos para comer com as mãos toda a comida da gamela; e, os demais participantes dessa obrigação cantam e louvam os santos e os orixás. Após a refeição dos meninos, que representam, ao mesmo tempo, os santos e os Ibejis, o caruru é servido para os participantes da festa.

E assim, viver o sagrado à boca é uma experiência de profunda interação com um desejo de preservar e de continuar os rituais e as relações das pessoas com o santo e com o orixá.

 

RAUL LODY

BrBdeB

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