Chipa e Pão de queijo: os sabores da mandioca

Sem dúvida, da mandioca, e dos seus inúmeros produtos, nasce uma grande variedade de comidas, e que fazem parte da organização de diferentes sistemas alimentares que estão fundamentados nesta raiz, plural e diversa, que identifica hábitos alimentares no Brasil, e no resto da América do Sul.

Enquanto casos exemplares quero trazer a chipa e o pão de queijo, ambos reproduzidos a partir do polvilho, um produto dos tantos produtos que chegam da mandioca e que afirmam identidades alimentares.

Pode-se dizer que tanto a chipa quanto o pão de queijo são duas comidas que possuem identidades correlacionadas não apenas pelos ingredientes utilizados, mas também na construção de cardápios e na formação de hábitos que se afirmam na cultura do dia a dia. É a tão conhecida cozinha do trivial, das comidas que acompanham a vida de muitas comunidades, e de milhões de brasileiros e de latino-americanos.

Trago das minhas experiências gastronômicas e etnográficas o consumo diverso e múltiplo da chipa, um tipo de pão, uma comida integrada aos sistemas alimentares de áreas do centro-oeste e, em especial, do Mato Grosso do Sul e das áreas de Fronteira com o Paraguai.

A chipa é uma comida de rua, de bares, de diferentes lugares, que faz parte de uma importante complementação alimentar, ou em muitos casos como o alimento principal. Sem dúvida, um tipo de pão. Uma comida que alimenta e que dá saciedade.

Antecedentes históricos no Brasil trazem a cultura do pão inicialmente interpretada nas suas receitas mais tradicionais com a farinha de trigo, e variações. Com esta cultura do pão de base europeia, está também a base social e religiosa do cristianismo. Notadamente do catolicismo, visto que os Jesuítas, a partir do século XVI, difundiram e iniciaram o hábito de comer o pão, e, interpretá-lo em âmbito sagrado e ritual na então colônia das terras da Santa Cruz.

Brasil Bom de Boca
Foto de Jorge Sabino

E nestes contextos alimentares e simbólicos, é importante observara que por grande período as hóstias, no Brasil, eram produzidas com mandioca, em vez do trigo, na técnica sem fermento, no estilo ázimo.

As funções alimentares da chipa e do pão de queijo são muito próximas e funcionam como complementos do café, do café com leite; e de outras bebidas quentes e que fazem os cardápios do início do dia. E ainda funcionam enquanto comidas rápidas para acompanhar diferentes refeições em cardápios diversos, e como uma base para as refeições da tarde, geralmente nominadas de lanches ou merendas.

As identidades alimentares da chipa e do pão de queijo estão marcadas pelo polvilho doce, que é feito a partir da decantação da água da lavagem da massa de mandioca ralada, para separar o amido das fibras.

Também nestes contextos alimentares quero trazer um caso especial, que é anterior a chegada do homem lusitano, com um preparo muito tradicional das culturas Carijó Guarani do sul do país. A partir de um alimento chamado de mbuyapé preparado também com a fécula da mandioca ou com um tipo de farinha de milho. Usava-se também no preparo um tipo de gordura, e a massa era embalada em folhas e na sequência assada, sem dúvida, um tipo de tamal. O tamal é um amplo processo culinário que possibilita diferentes sistemas alimentares para os povos tradicionais e milenares das Américas.

Pode-se dizer que há uma formação alimentar tradicional a partir dos alimentos ancestrais, do que conhecemos e consumimos, como chipa e algumas variações nos cenários socioculturais latino-americanos.

Assim, na complexa formação de hábitos alimentares, já abrasileirados, a partir dos polvilhos doce e azedo procedentes da mandioca, um caso exemplar é o tão popular e consagrado pão de queijo. Embora similar a chipa o pão de queijo ganha identidade e variações nas receitas e, em especial, com o uso de tipos diferentes de queijos.

Acrescenta-se na receita do pão de queijo, além do polvilho, leite, ovos e o queijo. Algumas variações da receita também usam uma mistura com farinha de trigo.

Junto com a marca brasileira do pão de queijo, agrega-se também a marca brasileira da indústria queijeira num amplo processo de consolidação de mercados no Brasil e no exterior. Nestes processos de reconhecimento do nosso queijo, ou melhor dos muitos e variados estilos de processos de se fazer queijo, está uma comida que valoriza e que difunde os queijos reconhecidos com terroir.

E se podemos agregar um ideal de território consagrado a estes processos sociais, culturais, econômicos e gastronômicos, que é o estado de Minas Gerais detentor, no nosso imaginário, como o Estado de procedência e da consolidação do tão conhecido e estimado pão de queijo. Assim, o pão de queijo passa também a significar um símbolo de brasilidade, e ainda como representante do nosso patrimônio alimentar.

Com um olhar patrimonial sobre o pão de queijo, ele é marcado como um tema recorrente sobre a representatividade das comidas brasileiras. Ele é uma comida que se agrega aos sentimentos de brasilidade, do mesmo modo que o acarajé, o churrasco, a cachaça, a tapioca; entre tantos outros.

Há uma espécie de idealização sobre o pão de queijo enquanto um tema genuinamente brasileiro. Como vimos o pão de queijo, este de maior identidade com Minas Gerais, é também uma referência latino-americana e, sem dúvida, que dialoga com a chipa.

E a mandioca, e os seus muitos produtos, revela uma verdadeira civilização. Civilização que se afirma nas comidas e nas representações da nossa multiculturalidade que é afirmada no ethos brasileiro da alimentação.

RAUL LODY

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