Bacalhau um símbolo da heráldica do Carnaval

Sem dúvida, são muitos os símbolos, e desejos, marcados por diversas representações concretas que formam um amplo, rico, e importante acervo visual de imagens e de cores; além das interpretações nas organizações desses ‘objetos ou coisas’ no tempo do Carnaval.

São verdadeiros brasões que marcam grupos, agremiações, e diferentes segmentos que fazem parte desta grande e fantástica festa do Carnaval. São Imaginários recorrentes às histórias, às tradições, e as diferentes formas de manifestar identidade, singularidade, e pertencimento a um grupo, a uma sociedade, a uma cultura.

E os símbolos falam e comunicam os seus significados para o grupo por ele representado, e para os demais grupos e populações que buscam entender a função e o sentido de tão variado conjunto imagético dentro das diferentes sociedades.

Nas Agremiações carnavalescas as suas cores, e os seus símbolos, estão geralmente marcados nos estandartes como verdadeiros abre-alas para os grupos, para anunciar a festa, as celebrações de rua.
Entende-se de que o símbolo seja um forte elo com o que há de ancestral e de memória fundadora, seja para o grupo, a agremiação, o clube ou outra forma de organização social hierarquizada para a folia. E assim, o símbolo é profundamente totêmico.

No caso do bacalhau, um produto alimentar, fortemente integrado à história e ao patrimônio gastronómico do brasileiro, porque este peixe, seco e salgado, de consumo tradicional nas celebrações, faz um dos mais evidentes sentimentos de aproximação entre Portugal e o Brasil, e integra as memórias alimentares das casas, do cotidiano e das festas.

Nesta ampla interpretação alimentar sobre o consumo do bacalhau no Brasil, há uma mudança no padrão do seu consumo. Ele passa de um alimento muito popular para um alimento especial que está localizado dentro das tendências de uma tal de “alta gastronomia”, tão exógena ao entendimento das muitas relações entre consumo e as suas representações socioeconômicas. E assim, o bacalhau é hoje uma comida elitizada.
Dizia a tradição popular: “para quem é bacalhau basta”. Isto atestava que o consumo do bacalhau, anteriormente, mostrava-se como um alimento muito popular e que se relacionava simbolicamente com uma base de consumo de alimentos baratos.

Sem dúvida, existem muitos outros peixes secos e salgados além do bacalhau, e que fazem parte das muitas opções alimentares das mesas do brasileiro. Contudo, é o bacalhau que cada vez mais impera e domina um imaginário do bem-comer, e que marca as tendências dessa tal gourmetização. Porque comer bacalhau dá status.
Nestes cenários sociais, e alimentares, e certamente influenciadores dos mercados de consumo, as representações desse peixe, de águas profundas e muito frias, ganha uma ampla adesão de consumo porque exibe poder e atesta lugar social, tanto para o restaurante, e o chefe, quanto para quem o consome.

O brasileiro permanece gostando de bacalhau porque há uma relação tradicional e ritualizada nas celebrações e, em especial, nas mesas festivas do Natal. Por isso, o bacalhau é um símbolo de poder, e está nos estandartes de alguns grupos de Carnaval. E assim, todos esses sentimentos do comer remetem ao ato de simbolizar, formar os valores que integram e compõem ao mesmo tempo um texto visual-simbólico e social.

 

Bacalhau Carnaval - Brasil Bom de Boca
Foto Jorge Sabino

 

É o bacalhau um símbolo-brasão que revela a ancestralidade, e é marcado como uma comida da liberação do Carnaval. E é o Carnaval um grande momento de celebração social e coletiva, onde todos estes significados se comunicam para expressarem na celebração, no reinado deste rei gordo e guloso que é Momo, a descendência aliada ao sentimento de identidade que está protegido pelo estandarte com a imagem do bacalhau, ou o próprio bacalhau; onde se pode ver o bacalhau na estrutura do estandarte, sendo guarnecido com cebolas, tomates, pimentões, latas de azeite de oliva, numa indicação de que após o desfile o estandarte será devidamente comido.

Há uma espécie de sentimento de que todos os que seguem o símbolo, o brasão, estão protegidos e são os verdadeiros filhos do bacalhau. Muitos e diversos são os temas que se representam e que se manifestam nos estandartes como, por exemplo, flores, animais, ofícios, também objetos, compõem a interpretação e a conceituação desse símbolo-brasão que é representado no estandarte. Ainda, pode-se agregar na organização dos estandartes do Carnaval as memórias ancestrais das agremiações religiosas dos Ofícios, que trazem como exemplo mais próximo as associações de ofícios da Idade Média em Portugal. Vê-se esta indicação estética na formação artesanal dos estandartes feitos numa base de veludo, ou outros tecidos, que é bordado em fios de prata, e entre outros materiais.

Os antigos estandartes medievais, quanto do Carnaval atual, são marcados pelos seus brasões funcionais, e assim manifestam uma espécie de proteção ritual que une a pessoa com os seus sentimentos de pertencimentos aos rituais da sociedade. Assim, cada estandarte é único, é autoral, e extremamente marcado no que simboliza, e no que comunica de identidade.

 

 

RAUL LODY

 

BrBdeB

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