Independentemente destes contextos de pandemia, vê-se que há muito tempo se desenvolve ações de valorização e de promoção das cozinhas regionais nos seus múltiplos processos de multiculturalidade. Também nesta direção, vê-se a afirmação de conceitos, e o reconhecimento de patrimônios alimentares através de pesquisas, de tendências gastronômicas, e de políticas de Estado para salvaguardar os patrimônios alimentares.
No caso brasileiro, o 1º patrimônio reconhecido neste campo da comida é o Ofício das Baianas de Acarajé, reconhecido pelo IPHAN como Patrimônio Nacional. Internacionalmente, outro caso é o da Cozinha Mexicana que foi reconhecida pela UNESCO como patrimônio da Humanidade.
Sem dúvida, nestas questões patrimoniais há uma afirmação na crença dos direitos sociais e do direito à soberania alimentar e nutricional. Isto ocorre por meio da valorização dos produtos de terroir, da agricultura familiar e das cozinhas regionais. Todas estas questões agregam muitos olhares sobre a biodiversidade, a cadeia produtiva dos alimentos, as técnicas tradicionais de plantio e colheita; e, as técnicas da preparação da comida, e o uso de implementos artesanais que fazem parte dos serviços à mesa.
As ações relacionadas a comida são reveladoras de identidade, onde se agregam tantas autorias, inclusive dos artistas populares, que nos seus ofícios que integram esta ampla rede de serviços que compõe o campo da alimentação.
São muitos e diversos os processos que se manifestam, conforme as culturas, os povos e as civilizações, para distinguir, afirmar e reconhecer, o que é comida. Aliás, está na comida um dos mais notáveis registros de pertencimento, seja por escolha, ou simbolização de ingredientes e receitas.
Ainda, os ofícios, que formam o diverso acervo dos processos da alimentação, reúnem sabedoria tradicional que, muitas vezes, vem de uma longa experiência milenar.
Todos estes acervos de técnicas particularizam o alimento, seja na feitura de um queijo, ou no processo do fumeiro para certas carnes, para que, desse modo, agregar valores tanto culturais quanto comerciais. E assim as cozinhas, e os seus cardápios, ampliam-se nas bases das culturas regionais.
A tendência de recuperar repertórios, no âmbito da alimentação, traz amplitude para se viver a comida, e ter nela uma realização profundamente ligada a sociedade e a sua história.
Porque são as expressões alimentares do cotidiano, das festas, das regras religiosas, manifestam-se nas muitas maneiras de se relacionar com a comida, e no modo como se come, que vai marcar o lugar, o papel social, de uma pessoa, de um grupo ou de um povo.
E apesar da diversidade alimentar, a globalização tem uma força econômica feroz, que iguala e padroniza sabores e modos de comer, para ativar o consumo. E os paladares confrontam-se diante de uma massificação de comidas, especialmente nas redes mundiais de fast food.
Assim, dominam dietas, padrões, modelos, que, na sua maioria, vem das multinacionais de comida, que fazem o mercado ser global, ser cada vez mais unificado. A globalização é oferecimento de um alimento da mesma forma em qualquer lugar do mundo. E esta massificação expõe um confronto aonde milhares de sementes crioulas, centenas de tipos de milho, de mandioca, de batatas, sofrem um tipo de extermínio.
Nestes cenários, torna-se necessário um crescimento do protagonismo da segurança alimentar que busque revisar essa globalização, e se comece a viver um processo de desglobalização. Inicialmente, isto se dá por motivos econômicos, e por novos mercados de consumo.
Todos estes indicadores trazem processos culturais que estão relacionados à comida; e, aí, busca-se nos recursos teóricos da antropologia do consumo um estudo e uma interpretação que possibilite olhar para a diversidade, para o regional, e para o nacional, como acervos que são notáveis para reinventar uma nova forma de alimentação na pluralidade dos povos e das culturas.
RAUL LODY