Farofa de jerimum, uma invenção nativa

Sem dúvida, pode-se olhar para o cuscuz Magrebe, da África mediterrânea, como uma base da técnica, e até da estética, de misturar farinha com água, e temperos; e, depois de pronta a massa, acrescentar complementos como carnes, legumes, frutas secas, entre outros.

Esta receita tradicional do cuscuz desta região da África nasce de um processo, que é sensorial, e usa a água quente juntamente com habilidade das mãos para perceber a textura dos grãos de sêmola, que devem estar macios para que se tenha a identidade da comida. Isto se torna uma base para o preparo de muitas outras receitas onde se mistura farinha e água.

O cuscuz no Magrebe e feito de sêmola ou trigo duro. No caso brasileiro, é semelhante em técnica, mas feito de farinha de milho, uma farinha com diferentes granulações; além do que pode ser feito ainda de massa de mandioca ou farinha de arroz.

 

Foto Jorge Sabino

O artesanato culinário do cuscuz é capaz de informar pela manipulação o momento certo em que os preparos seguirem para o cozimento a vapor.  É perceber com as mãos durante a realização destes processos as características peculiares de cada ingrediente. Tanto o cuscuz Magrebe quanto o brasileiro, tudo começa com essas farofas feitas pela experiência do tato que não pode ser substituído por qualquer máquina ou outro equipamento mecânico.

As nossas tradições culinárias mostram o modo de realizarmos muitas receitas com farinhas feitas de diferentes cereais que são acrescidas de água, e outros ingredientes; para assim, adquirirem formas, texturas e sabores especiais. Estas misturas podem ser cozidas, como pirões, angus, mingaus; ou mais secas como a nossa farofa.

A farofa enquanto um prato, uma comida principal, ou mesmo como um acompanhamento, são apresentadas de variadas maneiras: crua, torrada, refogada, misturada com água quente, entre outras possibilidades criativas.

As farofas têm características também diversas, ora mais secas, ora mais úmidas; feitas com água, sal e ervas frescas; feitas com caldos de carne, de peixe; ou mesmo a partir de outros pratos como cozidos, feijoadas, peixadas, que trazem sempre muitos e deliciosos caldos bem temperados; entre tantas opções de se interpretar criativamente com a farinha de mandioca os caldos que resultam de outros pratos. Há também com ovos, com banana, com batata doce, opções de se misturar e criar sabores bem brasileiros. Uma base, um verdadeiro tema culinário das invenções e das mesas de todas as regiões.

A farinha seca, também popularmente conhecida como farinha de guerra, é um ingrediente que recebe bem os caldos, os temperos, os molhos de pimentas, e se harmoniza com estes os sabores dando consistência e textura.

São muitos os tipos de farinha porque as técnicas artesanais realizadas nas casas de farinha, espaços para fabricar farinha a partir da raiz da mandioca, têm diferentes técnicas e estilos para produção, além de singularizar os estilos regionais.  Por isso são inúmeros sabores e características de cada farinha, o que caracteriza uma marca autoral, uma verdadeira assinatura de terroir. Ainda, as farinhas podem ser temperadas com tucupi, com pimentas, com açafrão, com coco, entre muitas outras opções que agregam novos sabores a mandioca.

As farinhas de mandioca mais comumente encontradas são as torradas. Os sabores serão diferentes em virtude da variedade de tipos de mandioca e dos processos de torrefação e acondicionamento.

Farinhas mais finas, farinhas mais grossas, caracterizam costumes e escolhas para o preparo da farofa, o que exige técnica e conhecimento dos ingredientes, saber como misturar; perceber o cheiro, a cor, e como trazer o sabor desejado ao prato. E assim, a nossa tão querida e celebrada farofa é uma marca profunda da expressão criativa da identidade culinária dos brasileiros.

Trago uma receita que também traduz um gosto pessoal, é a farofa de bolão, com farinha crua misturada a generosos e suculentos pedaços de jerimum cozido, que é a tão conhecida abóbora.

A abóbora está em muitas receitas, são diversos preparos salgados e doces e, sem dúvida, usos que caracterizam pratos já consagrados como o cozido, o quibebe; os doces com coco, cravo, canela e açúcar; e, em especial, a farofa de bolão.

Dá-se o nome bolão, porque com as mãos modelam as formas grossas da farinha crua junto com o jerimum, muito cozido, como se fossem bolas, bolões da farinha. Esta farofa é temperada com coentro para dar o frescor do verde, e um perfume especial ao prato. O sabor suave, adocicado, do jerimum possibilita uma deliciosa harmonização com carne de sol na manteiga de garrafa, por exemplo.

 

Raul Lody

Recife, 28 de setembro de 2016

 

 

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