Quando eu estou em um “mercado” tenho um sentimento de mundo.
Estar em um mercado tradicional, aquele que apresenta um lastro de muitos anos de vida no território, na região e que é capaz e revelar histórias e sentimentos, sem dúvida, proporciona os melhores cenários para se viver um lugar.
As relações sociais experimentadas no mercado fazem uma espécie de introdução à cultura do território e tudo isto possibilita uma ampla e rica experiência para o consumidor, para o visitante, nas dinâmicas e nas diversas descobertas de um lugar.
O mercado expõe muitos territórios reais, regionais, étnicos, sociais que se misturam e que são testemunhados a partir da arquitetura, das instalações com seus espaços simbolizados, sua população trabalhadora, nos encontros com os ofícios, com os produtos e o consumo.
É também o mercado um lugar para se viver muitos, tantos imaginários que possam trazer memórias ancestrais, fundadoras e que tragam relatos que mostrem as peculiaridades do lugar, a individualidade daquele lugar.
Porque estar num mercado é estar numa verdadeira síntese do mundo.
Porque estar no mercado traz um sentimento de mundo.
No mercado há uma forte energia telúrica que se confirma nos ingredientes que chegam no que a agricultura, e outras formas de trazer a natureza em insumos que abastecem as populações e, que fazem permanecer as receitas de comidas e a manutenção dos hábitos alimentares
Também comidas são servidas nos mercados e consumidas nas barracas, nos balcões coletivos, com os “pratos prontos”, e outras maneiras de nutrir e trazer as receitas da região, as ofertas dos ingredientes da época, em representações que também afirmam o território e que agora é percebido com a boca e com o paladar.
O mercado é também um território consagrado para se reunir, conversar, ter acesso a informações, socializar, porque se a informação se propagou no mercado, o mercado ouviu, e assim o mundo irá saber, porque o mercado é um lugar legitimador.
Se o mercado é a síntese do mundo, então “tudo” está no mercado. E nesta forma de ver o mundo a partir das referências do lugar, nas traduções dos territórios, na pluralidade dos temas e produtos que juntos constroem uma espécie de alteridade coletiva.
Por tudo isto é o mercado um lugar de experiências, de encontros entre a pessoa e o seu produto ampliando suas redes de sociabilidades, trazendo ainda nestas múltiplas formas de comunicação e de ludicidade .
É marca do mercado tradicional as “provas” dos produtos, quando o cliente escolhe visualmente o que deseja e assim vai provar, vai verificar se é realmente aquilo que deseja consumir. E no caso de uma fruta, por exemplo experimenta comendo, cheirando, percebe de diferentes maneiras a qualidade, para então adquirir, trazer o que deseja, e estes momentos da prova acontecem em diálogos e em verdadeiros rituais que aproximam vendedor e cliente,
Nestes rituais públicos nas vendas, no consumo participativo há uma interação com a natureza, com as possibilidades de viver o que o território possa revelar e orientar em consumo.
O contato com cada objeto, com a sensação de comer um doce, ou mesmo com os ingredientes que a biodiversidade do lugar possa oferecer é uma confirmação desse mergulho em um lugar, o mercado.
As memórias moram nos mercados, contam suas histórias, revelam suas identidades, o chão, os entornos têm marcas de uso, de sentimentos, de energias que trazem vida, fartura, comida.
Eu percebo que o mercado tem uma função legitimadora, de mostrar as opções e possibilidades de consumo, e em especial de experiências peculiares de se estar num mercado.
O consumo é dialogado, as escolhas dos produtos são contextuais com as conversas, com as possibilidades de provar o queijo, de ganhar ainda um generoso pedaço de doce. E assim de maneira peculiar unir o consumo com afetividade, melhor ainda de viver os rituais da humanização.do comércio.
O mercado é um conjunto de produtos, de pessoas, de processos tradicionais de comunicação, porque está no mercado a síntese social do lugar.
RAUL LODY