Realizada na Torre do Tombo, Lisboa (Portugal), a exposição “Pão, Carne e Água. Memórias de Lisboa Medieval” é uma boa introdução para este tema que é fundamental para entender os nossos sistemas alimentares.
Comer sempre foi uma representação social, cultural e econômica, e essa exposição mostra além da carne enquanto alimento e símbolo de poder e de lugar social; também a importância do pão e da carne na alimentação da época. Há, ainda, os vinhos, os pescados, as hortaliças, as frutas; e, as carnes das caças de diferentes animais.
A referida exposição traz alguns momentos dessa trajetória alimentar tão básica, que começa na busca pela boa água, e pela carne dos açougues e carniçarias, em maior número para atender os cristãos, e para atender a carne halal dos mulçumanos e a cosher dos judeus. Geralmente os animais chegavam vivos em Lisboa, e aguardavam nos chamados currais dos bois e dos carneiros.
Assim, a carne ocupa um lugar de destaque na dieta medieval e, com certeza, podemos tecer um paralelo, próximo e atual, com a dieta brasileira, que valoriza a carne, a chamada carne vermelha, como uma espécie de símbolo do bem-comer.
Retomamos o circuito da exposição, e pela importância da carne, seus locais de comercialização, espaços próprios – açougues e carniçarias – podia-se ter acesso a peças inteiras como, por exemplo, galinhas, frangos, carneiros, cordeiros, leitões, cabritos; patos, perdizes, pombos e coelhos.
Sem dúvida, a carne não chegava à mesa de todos. Além de ser restrita, era preciso quantias consideráveis para um bom repasto. Estava em fartura e variedade apenas à mesa do Rei, dos privilegiados, e de maneira sazonal para as populações urbanas que eram orientadas por calendários religiosos da Igreja; que, de certa forma, controlava o consumo com os chamados “dias magros”, quando não se podia comer carne vermelha.
Certamente a mesa real nascia de uma cozinha diversa e complexa que buscava criar pratos elaborados com referência nas diferentes carnes, e daí eram usadas preparações com técnicas culinárias como cozinhar, assar, estufar; desfiar.
A maioria da população urbana de Lisboa vivia com uma culinária muito simples, que era feita à base de caldos, e alguns acompanhamentos como carne de porco salgada e enchidos feitos de diferentes insumos.
O pão é um alimento que inicialmente ganha um sentido transcendente para os cristãos, sendo um alimento do corpo e da alma, o corpo de Deus.
Na Lisboa Medieval, tudo começa com os grãos moídos em moinho de água, em moinho de maré; e mais tardiamente em moinhos de vento; ou outro processo de moagem caseira que usava animais, a chamada atafona. A fabricação de diferentes tipos de pães se realizava tanto nas padarias quanto nas casas, tais como: broa ou boroa; fogaça; mondas; padas; pão de calo; pão-de-leite; pão meado; pão quartado; pão terçado.
Então, chegamos as águas das fontes, das bicas, dos chafarizes, dos poços. Água usada para a vida diária, e fundamental para fazer funcionar todas as cozinhas, todas as receitas, um bem precioso que foi de todas as classes sociais, diferente dos pães, que a partir dos seus ingredientes definia-se a possibilidade de poder ou não o ter à mesa. Assim, vê-se, como num amplo retrato, alguns casos exemplares do pão, da carne e da água, nas memórias de uma Lisboa Medieval.
Raul Lody
Serviço
“Pão, Carne e Água. Memórias de Lisboa Medieval”
Exposição: 24 de abril a 26 de julho de 2019.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo.