Sem folha não há orixá
As folhas alimentam, fazem viver memórias, trazem histórias que valorizam a natureza enquanto um amplo e divino espaço de religiosidade e de cultura.
Porque cada folha se integra as outras folhas nas matas, nas florestas, nos jardins, nas cozinhas, à mesa, nos rituais religiosos.
Tudo no dendezeiro (Elaeis guyneensis L. Palmae) útil, servindo para a alimentação como também para os vaticínios mais tradicionais com os frutos – ikins.
Por tudo isso retirar uma folha, coletar frutos, entrecascas e outros componentes de uma árvore como o dendezeiro, a gameleira (Ficus do liaria M. Moraceae), a jaqueira (Arto carpus intergrifolia L. Moracea), mangueira (Mangifera indica L. Anacardiaceae), cajazeira (Spondias mombim L. Anacardiaceae), entre outras exige respeito e cuidados, fazendo com que as relações homem e folhas ocorram seguindo princípios de preservação ecológica, mantendo a integridade das espécies botânicas, pois o verde é indispensável no cotidiano, ao momento episódico de um ritual e assim será protegido e sempre valorizado.
São centenas de folhas – ewe – que formam os estoques que circulam nas feiras, nos mercados e especialmente nas áreas cuidadas, jardins, integrados ao amplo conjunto simbólico dos terreiros. O conceito de jardim para o terreiro ou para a comunidade afrodescendente inclui um sentido eminentemente funcional onde o estético é orientado pelos conjuntos de certas folhas e pela sinalização monumental de árvores escolhidas para assim formar um texto verde, valorizado e preservado por todos.
E assim é fundamental um sentimento de axé verde, de natureza representada em cada elemento que chega dos espaços sagrados das matas, das floresta, permanecendo sentidos de sacralidade e de humanidade.
Entre as espécies mais usuais e por isso indispensáveis para usos medicinais e litúrgicos estão: carrapicho (Acanthos permum hispidum DC. Compositae), bredo (Amaranthus viridis L. Amaranthaceae), picão (Bidens pilosa L. Compositae), urucum (Bixa orellana L. Bixaceae), folha-da-costa (Bryophillum pinnatum S. Jurz. Crassulaceae), obi [Cola acuminata (Breuv.) Schott. Et Endl. Sterculiaceae], peregum (Dracaena fragrans Gawl. Agavaceae), pitanga (Eugenia uniflora L. Myrtaceae), alfazema (Hyptis pectinata Poit. Labiatae), goiaba (Psidium guajava L. Myrtaceae) mamona (Ricinus communis Euphorbiaceae), alecrim do campo (Scoparia dulcis L. Scrophulariaceae), pimenta-da-costa [Xilopia aethiopica (Dunal) A. Rich. Annonaceae], manjericão (Ocimum americanum L.), colônia (Alphina speciosa Sohum), espada de ogum (Sansevieria zeylanica Willd.), guiné (Petiveria alliaceae L. Phytolacaceae), akoko (Newbouldia Laevis Seem), aroeira-branca (Lithraea molleoides Engl. Anacardiaceae), erva tostão (Boerhavia hirsuta Willd. L. Nyctaginaceae), jurubeba (Solanum paniculatum L. Solanaceae), orogbo (Garcinia Kola Heckel Gutiferae), pinhão-roxo (Jatropha gossifolia Muel. Euphorbiaceae), tapete-de-oxalá (Peltodon t. Pobl.. Labiatae).
Pois, folha é vida, é tradição e é cultura.
Já dizem os textos sagrados africanos e preservados nos dos terreiros, transmitidos pela palavra: “antes dos homens acreditarem nos orixás já acreditavam nas árvores”.
RAUL LODY.