A palavra temperada para o oriki

Para os iorubas, e para seus afrodescendentes, a palavra está integrada ao sagrado e a natureza, e assim dever ser ouvida, e principalmente, experimentada no corpo, pois ela une o homem ao seu antepassado e ao seu orixá.

A palavra, hálito ou afó, é uma extensão da pessoa; é um ato de espalhar o som e os seus significados. Por tudo isso, a palavra deve ser preparada, deve ser temperada com sementes, com folhas; e sobretudo com pimentas, o atá, ataré, ou pimenta-da-costa, um dos ingredientes mais valorizados, juntamente com o obi e o orobô, todos frutos da África Ocidental.

Mascar, trazer o sabor, o cheiro destes ingredientes africanos para as palavras são ações que possibilitam uma comunicação verdadeira com o sagrado.
As histórias orais milenares, chamadas de orikis, buscam trazer essas memórias ancestrais, e estabelecer as sociabilidades por meio de lendas transmitidas pala palavra falada, pela oralidade, que se agrega aos ingredientes para dar a cada som um sentido de sacralidade.

Oriki para o som. Oriki para a cor. Oriki para a comida. Oriki para os dias da semana. Orikis para a terra, o fogo, a água e o ar. Oriki para comunicar fé e desejo. Oriki para lembrar que na ação de repetir cada palavra há uma mensagem sagrada.

“Epo mbe, èwa mbe o
Aiya mi ko já, o ye
Aiya mi ko já
Lati bi Ibeji
Epo bem, èwa bem o”

“Tem azeite-de-dendê, tem feijão
Não tem medo, sabe
Não tem medo
Para ter Ibeji
Tem azeite-de-dendê, tem feijão.”
(Tradição oral ioruba)

O oriki faz da palavra sacralizada um contato íntimo com o orixá. Assim, o sagrado se humaniza na prática religiosa, untada de dendê, de temperos, de aromas; de música, de dança, de roupas; de adornos, de ervas.

Em cada palavra que é sacralizada por ingredientes, os orixás e os homens se misturam para manifestar os seus desejos comuns, que se encontram num cotidiano repleto de vida.

Quando se fala o oriki, o seu som, e tudo que nele habita, recupera as memórias remotas que se unem as memórias recentes, e desse modo atualiza o sentimento humano em relação ao sagrado.

Seja em que idioma for, as palavras temperadas de sabedoria estão em todos os lugares, no mercado, na rua, no orum que move o ayê, e se revela no nosso cotidiano.

 

 

Raul Lody

BrBdeB

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