Agbê-ewê, alapá, alapatá – As comidas africanas

Agbê-ewê, alapá, alapatá – As comidas africanas apresentadas pela ialorixá Eugenia Ana dos Santos no II Congresso Afro-brasileiro.

As comidas e os sistemas alimentares de matriz africana foram destaque no II Congresso Afro-brasileiro na Bahia, em 1937. Foram discutidos entendimentos sobre os sistemas alimentares que abordaram amplas leituras sobre a diáspora; como também sobre e as tradições alimentares, que geralmente são preservadas nas cozinhas dos candomblés.

As comidas estão marcadas nas relações sociais e religiosas, e os terreiros de candomblé funcionam como lugares de memória, e de pertencimento dos patrimônios de diferentes segmentos etnoculturais de matriz africana.

Este Congresso buscou, nos candomblés, as bases das identidades e das maneiras de traduzir uma história, e revelar a multiculturalidade do continente africano na diáspora para a Bahia. Relata Edson Carneiro, principal organizador do II Congresso:

“As sessões vão ser no Instituto Histórico da Bahia. O Club Itapagipe vai ceder o “court” de tênis pró jogo de capoeira. Temos já duas festas prometidas, uma no candomblé do Gantois, outra na Goméia (…)”.

A presidência de honra do II Congresso Afro-brasileiro foi de Martiniano do Bonfim, babalaô, com pai e mãe africanos, procedentes da Nigéria. Assim, o Congresso mostrou um desejo de integrar as representações legítimas da afrodescendência na Bahia, o que se reforça com a participação efetiva de reconhecidos pais e mães de santo da cidade do São Salvador.

Também, relata Edson Carneiro:

“Eminentemente científico, mas também eminentemente popular, o congresso não reúne apenas trabalhos de especialistas e intelectuais do Brasil e do estrangeiro, mas também interessa a massa popular, os elementos ligados, por tradições de cultura, por atavismo ou por quais quer outras razões, à própria vida artística, econômica, religiosa do negro no Brasil. Assim, no Congresso da Bahia, ao lado das teses de, por exemplo, Melville Herkovits, Arthur Ramos e Gilberto Freyre, serão discutidas as teses de Escolástica Nazareth, chefe do terreiro do Gantois, de Silvino Manuel da Silva, tocador de atabaque nesse mesmo terreiro e de Eugenia Ana Santos, chefe do Centro Cruz Santa do Aché Opô Afonjá (…)”.

 

Agbe, comidas africanas - Brasil Bom de Boca
Foto instalação de Jorge Sabino

 

O sentido popular, enfaticamente colocado por Edson Carneiro, reforça sua ideologia socialista; e mostra o candomblé como um lugar de destaque das muitas Áfricas que são reveladas na música, na dança, no teatro, nas tecnologias artesanais, na comida, entre outras.

Com o ajeum – alimentação – nos terreiros, com as comidas rituais, há o exercício da nutrição e da soberania alimentar. No terreiro é oferecida muita comida aos membros da comunidade do candomblé, aos visitantes, e às comunidades do entorno da roça. Come-se muito bem nos terreiros, e as festas públicas são verdadeiras festas de comer, de comer o sagrado.

Edson Carneiro destaca no Congresso os muitos papéis sociais, e religiosos, dos pais e das mães de santo; e cita: Mãe Aninha, Bernardino do Bate-Folha, Falefá, Vavá do Pau Brasil.

Há uma evidente valorização da sabedoria tradicional, e ancestral, que é transmitida pelos sacerdotes do candomblé. E nestes acervos estão os ingredientes, as receitas, as maneiras de realizar cada prato; como servi-lo; como consumi-lo; tudo seguindo um ritual adequado para alcançar a comunicação entre os homens e os deuses.

A contribuição da ialorixá Aninha, do Ilê Axé Opô Afonjá (1937), é uma referência para o entendimento amplo sobre as comidas africanas, num acervo de receitas que mostram um uso frequente de diferentes folhas, entre outros ingredientes.

Segue a lista de comidas de matriz africana relatada pela ialorixá Aninha, e que preserva a grafia apresentada no II Congresso Afro Brasileiro:
• Ibêguiri, caruru preparado com quiabos
• Amalá, caruru preparado com quiabos
• Agbê-êwê, caruru de folhas
• Efó, caruru de verduras
• Alapá, caruru de cebolinha
• Efú, caruru de ervas
• Alapatá, acarajé
• Abalá, abalá
• Olêlê, folha ewe-eran
• Mamane
• Ebé-xiri, caruru de mostarda
• Peté ou bobó (gbógbó), bolo feito de inhame
• Angu, preparado com arroz, com milho, com inhame ou frutas
• Farofa, preparado com azeite africano
• Ôxinxin, preparado com qualquer qualidade de carne
• Furá, refresco preparado com frutas africanas
• Aluá, refresco preparado com rapadura
• Émún, bebida africana feita com dendê
• Dengue, mingau preparado com milho-branco
• Écó, aberém, preparado com milho-branco, mingau preparado com rapadura e milho-vermelho
• Aberém, preparado com milho-branco
• Acaçá, preparado com milho-vermelho (ou milho-branco)

Este acervo patrimonial, que é experimentado nas cozinhas dos candomblés, dos mercados e das casas, mostra os sabores da multiculturalidade do continente africano, e suas relações com o terroir brasileiro. Ainda, este acervo reafirma a soberania alimentar dos cardápios nos rituais, nas festas, na preservação da sabedoria tradicional. Sem dúvida, é um exercício pleno de cidadania e de direito cultural.

 

 

RAUL LODY

 

 

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