A banana está integrada num amplo imaginário que idealiza nesta fruta um desejo pelo tropical.
E mesmo sendo procedente da Ásia, a banana passou a ser uma fruta assumidamente brasileira. Ela é um verdadeiro ícone tropical. A banana traz sua luxuriante cor imersa no sol. Isto tudo faz com que haja um entendimento sobre os povos e as culturas nativas da América Latina e do Caribe como paraísos dos trópicos.
Gilberto Freyre, no seu olhar sobre o Nordeste, compreende a natureza como o cenário privilegiado onde se estabelecem as relações sociais. E com isso aprofunda conceitos que unem natureza e cultura, e a partir daí propõe a criação de uma ciência chamada de “tropicologia”, cuja missão é conhecer o homem situado no trópico. Comportamentos, indumentárias, arquitetura, devoções religiosas; comidas e todos os rituais sociais associados às técnicas culinárias e à comensalidade passam a ser os temas preferencias da tropicologia.
Gilberto tem assumidamente um método preferido de análise social que se dá por meio da comida. Ele avança na direção de estudos sobre os processos que mostram o meio ambiente e suas expressões da cultura como indicadores de alimentos, e os seus muitos significados simbólicos, para o cotidiano e para o tempo das festas. Busca ainda criar uma verdadeira mentalidade de nacionalização de produtos, de cozinhas, de receitas e de hábitos alimentares que identifiquem o brasileiro. É uma verdadeira busca por comidas de identidade.
“Porque em relação a natureza, não pensamos ainda, nesses, quatrocentos anos, de inquilinos a donos (…) Não merecemos a palmeira, nem o juazeiro, nem o tamarineiro. Merecemos, talvez o mamoeiro e a bananeira, já muito nossas”. (Freyre, Gilberto. Um paradoxo para o Recife In “Diário de Pernambuco”, anos 1920)
Gilberto mostra as opções de frutas da região e de frutas exóticas, e mostra também que estas frutas devem assumir suas próprias falas culinárias, integrar os hábitos, e ampliar as opções dos alimentos. Tudo localiza um sentimento que leva a valorização dos produtos locais, e traz a comida como referência de lugar, indicador de terroir. Assim há uma leitura avançada, para os anos 1920, sobre ecologia e sobre a comida nos contextos da cultura e, em especial, do patrimônio alimentar brasileiro.
Mais tarde, nos anos 1930, ele publica pela primeira vez em língua portuguesa a palavra ecologia no seu livro “Nordeste”, e esta obra pioneira localiza uma civilização a partir de uma fruta exótica, a cana sacarina.
O açúcar da cana sacarina une-se às frutas nativas para formarem uma rica e diversa cozinha de doces, de doces ibéricos que foram tropicalizados, abrasileirados.
Gilberto aponta para os hábitos alimentares locais e dá destaque para a banana, fruta há muito integrada à mesa regional. Fruta do cotidiano e que está nas mesas desde o café da manhã até as sobremesas mais elaboradas, como a tão estimada “cartola”. Preparo a partir da banana-prata, bem madura; queijo de manteiga, açúcar e canela.
As frutas tropicais nativas como o caju, o abacaxi, a pitanga, a goiaba, o araçá, se misturam com outras frutas tropicais exóticas, vindas do Oriente, como a jaca, a manga, a graviola, a fruta-pão, o jambo, entre tantas que já se abrasileiraram, e que fizeram do Brasil seu território de representação e de identidade.
Com diferentes frutas, há o costume de se fazer duas preparações culinárias tradicionais, as frutas em calda e os chamados doces de “massa”. Isto mostra também os diferentes aproveitamentos das frutas, pois as receitas de doces são formas de conservar e ampliar o consumo das frutas.
Outro processo para conservar a fruta é o de “cristalizar”, feito a partir da desidratação da fruta e depois o acréscimo de açúcar do tipo cristal, como acontece, por exemplo, com as tiras de jenipapo cristalizadas, que são conhecidas na Bahia como “rabo-de-macaco”.
Em Pernambuco, um tipo popular de doce de banana é o “nêgo-bom”, feito com banana-prata, bem madura, que é amassada e cozida com muito açúcar, até o ponto de um quase caramelo queimado. E de maneira artesanal são feitas bolinhas que são pulverizadas com açúcar cristal, e depois embaladas individualmente, como se fossem balas. É um doce popular vendido nas feiras, nos mercados públicos por vendedores ambulantes.
Bem diferente dos doces em calda, que são doces da casa para serem comidos à mesa com talheres especiais, e muitas vezes acompanhados de complementos como queijos. São doces para serem apreciados dentro de compoteiras de vidro ou de cristal. As frutas nas caldas, em ponto de fio, quase transparentes, para poder revelarem a cor e o brilho de cada fruta.
E ainda há outras percepções que os doces promovem durante o seu preparo, são os odores, seja da fruta, do cravo, da canela, ou outra especiaria que faz quem está dentro da casa ou da cozinha ir até o fogão, e reconhecer a assinatura da doceira daquela receita familiar.
Sem dúvida, estão nas receitas familiares as mais importantes memórias pessoais; e, desta maneira, cada prato traz referências, e sentidos especiais, para a ritualidade da casa e das relações hierarquizadas da própria família. A receita do doce de banana de rodelinha, uma receita feita com quantidades e modos subjetivos, pessoais, possibilita que este doce tenha tantos acréscimos e assinaturas de temperos, de especiarias, que marcam cada preparo, cada maneira de se fazer este doce.
Por exemplo, os memoriais “Cadernos de receitas de D. Magdalena”, mulher de Gilberto, mostra uma receita do doce de banana de rodelinha que era feita na casa de Apipucos: duas dúzias de bananas prata, maduras, cortadas em rodelas, três xícaras de açúcar, água. Cozinhe as bananas com o açúcar em água suficiente que dê para cobrir. Adicione cravo, se quiser. (Receita do livro “À Mesa com Gilberto Freyre”. Org. Raul Lody. Ed. Senac Nacional, 2004).
Assim, geralmente os doces de frutas são feitos de forma muito simples, e “o ponto do doce” é que dá a qualidade autoral e emocional ao doce.
Raul Lody
Recife, 18 de outubro de 2015