Utensílios, Cozinhas & Mesas

Tão importante quanto a escolha dos ingredientes, dos temperos e do conhecimento das receitas é o conjunto de utensílios usados para transformar os alimentos e servi-los.
Pilões de madeira de diferentes tipos, almofariz de metal; peneiras de fibras naturais, em trançados variados e próprios para a lida com cereais e farinhas. Louças de barro: vasos, potes, pratos, copos, travessas, alguidares, jarros, panelas, bacias e tigelas, entre tantos outros, formam verdadeiras famílias, como, por exemplo: quartinha, quarta, quartinhão e porrão, recipientes para líquidos, tradicionais no Recôncavo da Bahia. Panelas também de barro, com tampas, próprias para a feitura e o serviço da moqueca capixaba, formam também uma família de utilitários, especialmente confeccionados para ir ao fogo e à mesa, mantendo temperatura e preservando o sabor e o aroma do prato.

Gamelas de madeira, de diferentes formatos, geralmente arredondadas, são indispensáveis para o oferecimento do amalá ao orixá Xangô nos tradicionais candomblés. O amalá é um prato constituído de pirão de inhame, sobre o qual se colocam quiabos cozidos em rodelas e adiciona-se azeite-de-dendê e muita pimenta; este deve ser colocado no peji – santuário – bem quente.

Ainda há as gamelas, onde se preparam as carnes e aves; estas ficam horas seguidas em uma mistura de vinagre, limão, pimenta-do-reino, sal e cominho, entre outros temperos, que vão acentuar o gosto e dar aromas especiais.
Utensílios em flandres, cobre, ferro, estanho e pedra-sabão são comuns, como as panelas, caldeirões, travessas, pratos e sopeiras, entre outros tipos, para fazer e servir os alimentos.
A cozinha, sem dúvida, é um espaço consagrado enquanto laboratório de gostos, aromas e formas, e especialmente de relações sociais.

 

Utensílios, Cozinhas & Mesas - Brasil Bom de Boca
Foto Jorge Sabino

 

Existem as cozinhas senhoriais das casas grandes dos engenhos de açúcar, das fazendas de café e de gado bovino; as cozinhas dos mocambos, de casas de taipa e de folha de coqueiro, quase sempre ao ar livre ou puxadinho externo da casa. Cozinhas móveis que têm na trempe um dos principais equipamentos. São as cozinhas dos tropeiros, dos vaqueiros, aqueles que lidam nos campos, nas campanhas. Cozinhas urbanas, práticas, contudo preservando alguns componentes artesanais e tradicionais, pois a feitura de uma caipirinha, por exemplo, só terá eficácia se for usado um pilão de madeira para amassar o limão, e depois deste amassado se acrescentar, ainda dentro do pilão, açúcar e uma boa cachaça.

As cozinhas, no processo histórico e cultural do brasileiro, vão tendo um significado nos espaços notáveis para a guarda de acervos materiais variadíssimos e na troca de receitas oralmente transmitidas como verdadeiros ensinamentos iniciáticos.

Mundo tradicionalmente da mulher, a cozinha garante o poder pela boca, pela sedução dos pratos, pois a estética gastronômica é fundamental para que de início se coma com os olhos, em seguida, sinta-se o aroma, depois identifique-se os alimentos e, finalmente ao chegar à boca celebre-se, com o paladar, o prato. Assim, come-se plenamente, de corpo inteiro. Os rituais à mesa, são rituais que aproximam, favorecem trocas e sociabilidades.
Estar à mesa é estar em um local previamente organizado para cumprir um ritual diário ou para uma festa. Pode ser em mesa convencional, com toalha e louça de serviço, ou em mesa de esteira, de folha de bananeira.

Comer com talheres ou comer com a mão é uma imposição da classe social e econômica, da qual o indivíduo faz parte, ou de um momento ritual determinado pelo grupo. Além dos contextos sociais diversos, algumas regras orientam o serviço dos pratos, fazendo com que os protocolos do estar à mesa ganhem significados estéticos, funcionais e culturais.

 

Utensílios, Cozinhas & Mesas - Brasil Bom de Boca
Foto Jorge Sabino

 

“(…) um peixe deve ficar com a cabeça voltada para a direita da pessoa que trinchar, fazendo-lhe frente as costas do mesmo peixe.
Um lombo de vaca coloca-se de lado; o bocado mais tenro para cima, a parte mais grossa voltada para a direita.
Quando for uma perna de carneiro, de cabrito ou presunto, voltai-lhe o pé para a esquerda e a parte carnosa para cima.
Um peru, um pato, um ganso ou galinha servem-se com o peito voltado para cima e a cabeça para a direita (…).”
(Cascudo, Câmara, Antologia da Alimentação)

Utilizar toalhas de linho e renda, cristais, porcelanas, entre as demais alfaias em prata, ou utilizar uma cuia de cabaça para comer farinha de mandioca ou mesmo um prato de ágata para o feijão nosso de cada dia, ampliam os olhares e as maneiras sensíveis ao entendimento diante de tantas mesas.

 

RAUL LODY

BrBdeB

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