Na Bahia, todos o chamam de punheta o saboroso, e tão estimado, “bolinho de estudante”, um dos mais frequentes integrantes do cardápio exposto no tabuleiro da baiana de acarajé.
Sem dúvida, no tabuleiro de baiana, um universo do doce e do salgado; do dendê; do coco; do milho; da massa de mandioca; revelam-se os cardápios do cotidiano, que são ritualmente repetidos a cada final de tarde; ou nos domingos pela manhã, quando se pode comer um abará na folha ou mesmo exigir aquele acarajé crocante, cheiroso, e pronto para os todos os recheios. [Eu particularmente prefiro com molho, pasta de pimenta, uma emoção que muitas vezes me faz suar, e muito; e também um pouco de vatapá]
Sabe-se que o tabuleiro e a baiana, juntos, são um dos mais notáveis símbolos urbanos de matriz africana, e por isso receberam o reconhecimento patrimonial por parte do Estado Nacional, e se tornaram patrimônio do Brasil.
Doces, certamente marcados pelas cocadas brancas e pretas; pelo doce na gamela de madeira, como o de tamarindo; que o purismo da Saúde Pública implica, e quer substituir a gamela de madeira por indefectíveis utensílios plásticos. [Acho que testados pela NASA]
Bem, sabe-se que a comida é um conjunto visual e material que vai muito além da sua própria forma, pois há elementos contextuais, como a ritualização dos gestos de quem a serve, os movimentos do corpo, do olhar; as expressões faciais; a roupa também compõe esse reconhecimento de valor identitário. Fala-se da afro-muçulmana-barroca roupa de baiana.
Tudo tempera o imaginário, aguça o sabor, traz referências de paladar; e certamente, uma experiência cultural a partir de um sistema alimentar que se apresenta através de aspectos ecológicos, econômicos, sociais, religiosos, entre tantos outros.
Assim, cada comida que faz parte do tabuleiro da baiana é um símbolo patrimonial, ora mais africano com o dendê, ora mais latino-americano, com algumas comidas embrulhadas em folhas, como o abará embrulhado na folha de bananeira, ou mesmo o acaçá, a pamonha de carimã; além de outros casos que tornam tão multicultural esse cardápio de rua, um verdadeiro fast food tradicional.
Destaque, entre as receitas do tabuleiro, uma comida de mandioca bem popular, o bolinho de estudante, que certamente ganhou esse nome por ser bolinho frito no final da tarde, hora dos estudantes saírem dos colégios, e pelas esquinas e adros das igrejas estavam arrumados os tabuleiros com tudo que possa seduzir através dos “cheiros”.
Na cidade do São Salvador, em cada final de tarde, o dendê fervente inunda o ar, e a boca já começa a insalivar, sonhando com um tabuleiro e tudo o que ele possa oferecer ao freguês.
O bolinho de estudante é um doce feito de tapioca, coco, açúcar e canela, sendo o mais importante da técnica do preparo a habilidade de manipular a massa, de fazer com o punho o movimento que deixa a massa no ponto, o que faz com que ele seja conhecido como um doce “feito à punho”. A massa é organizada em bolinhos que são fritos no óleo de milho ou no azeite doce, e é mais gostoso quando comido ainda quente, e o açúcar misturado a canela forma uma casquinha que se derrete a cada mordida.
Ele é também uma das sobremesas nas casas, no lanche da tarde. Também servido nos restaurantes que buscam traduzir e manter as receitas baianas, onde pequenos bolinhos de estudante são servidos em porções, como uma culminância aos pratos de azeite de dendê; pois, não há nada melhor que almoçar um efó acompanhando de uma boa e fina farinha de mandioca do Recôncavo e, depois, deliciar os bolinhos de estudantes.
Assim, unem-se mandioca nativa, da terra, ao dendê africano, da Costa, com o açúcar e a canela do Oriente, do reino; e se faz viver na boca um paladar multicultural na mesa do brasileiro.
Raul Lody
(Artigo originalmente publicado no Jornal A Tarde)