Com pirão, estética e território: o modernismo do Recife

Nos anos 1920, Gilberto Freyre sugere um monumento ao pirão para expor um contato direto com um símbolo de identidade, e com isso confrontar os limites da arte que, à época, era apenas para apreciação. Ele inclui o cotidiano como uma expressão de valor estético para marcar um lugar de ser “moderno”, numa ampliação do sentimento sobre arte.

Gilberto Freyre expõe um olhar regional unido com uma estética-conceito, e busca contatos com os outros movimentos artísticos da Europa, que também vivem buscas estéticas além-Ocidente, numa crescente valorização das artes étnicas. E com estes contatos, ampliam-se os entendimentos de arte, e surgem novos movimentos como: o surrealismo e o dadaísmo, entre tantos outros.

Essa busca por movimentos artísticos e, em especial, em Paris, traz transformações sobre as teorias da estética, e o conhecimento de outras formas de arte, de liberdade de formas, de estilos, de técnicas, dentro de manifestações culturais repletas de identidade.

Descobrir e valorizar os repertórios visuais fora da Europa, querer a África, a Ásia, a Oceania e as Américas. Sem dúvida, a arte se amplia nas linguagens, e nos seus novos contextos de um mundo pós 1ª Grande Guerra Mundial.

Os anos 1920 promovem verdadeiros encontros de diversidades estéticas que estão integradas nas manifestações culturais e sociais dos seus povos. E assim, o entendimento de território é ampliado pelos contatos com o mundo, e isso reforça ainda mais as expressões regionais, as maneiras de marcar e expressar identidade e alteridade. E a cultura do cotidiano marca seu lugar num entendimento de patrimônio cultural e entendimento do que é moderno.

Há um sentimento de ‘identidade’ em Gilberto Freyre que é inclusivo e orientador para novas correlações através de um olhar ampliado sobre o regionalismo e a modernidade. Dessa maneira, há um encontro pleno do terroir, um encontro com a arte telúrica, da região.

Ao chegar no Recife, guloso de cor local, um dos meus primeiros espantos foi justamente numa confeitaria (…) pedir um mate. Talvez não fosse chic pedir um mate. Como não era chic pedir água de coco (…) ou caldo de cana. O chic era pedir um desses gelados com nomes exóticos (…)”.

(Gilberto Freyre)

O valor dado ao terroir se une ao valor de identidade para marcar um sentimento de que o moderno não é excludente das memórias fundadoras da cultura.

Gilberto busca mostrar o que é patrimônio regional para valorizar, e afirmar, que o sentido de moderno inclui o pertencimento a uma cultura que se revela na arte. Ainda, ele aponta a história do cotidiano para mostrar o entendimento dos processos sociais na experiência dos hábitos alimentares.

Gilberto afirma, ainda, que a identidade regional vai muito além de louvar os heróis eternizados em bronze. Deve-se buscar no patrimônio cultural uma fruição social que represente a diversidade da população. E aí, a comida, a festa popular, a religiosidade, entre outras maneiras de mostrar singularidade, ganham um destaque especial no desejo de preservação, e de foco para os artistas nas suas muitas formas de expressão.

Um conjunto de artigos publicados por Gilberto Freyre no jornal Diário de Pernambuco, nos anos 1920, são reveladores das buscas e dos encontros com os acervos culturais do Recife, e, em destaque, as comidas e as bebidas nos hábitos da região, como construtoras de uma “cara urbana” da cidade que traz os retratos sociais da vida cotidiana do Recife. Ele firma que as referências do território trazem os imaginários da região, e tudo isso é inclusivo no sentido vivo e moderno da cultura.

(…) Cafés do Recife – uma fartura de vinho de jenipapo, folhas de canela aromatizando o ar com o seu cheiro tropical  (…) quitutes e doces enfeitados com flores de papel recortado, anunciando uma culinária e uma confeitaria (…)”.

(Gilberto Freyre)

Assim, há uma busca do regional num entendimento amplo de território, de sociedade, de patrimônio cultural; e isto não está isolado dos “loucos anos 1920”, anos transgressores, numa relação das descobertas sobre o outro.

Nestes acervos de representação pela comida e pelas expressões da arte, reúnem-se um sentimento de território, que privilegia as formas de expressões do cotidiano.

Sem dúvida, estes movimentos ainda trazem a poesia, a literatura, a arquitetura, e as outras maneiras de traduzir as diferenças e a diversidade. E com estes olhares patrimoniais mostra-se uma civilização e se observa o sentido de moderno.

RAUL LODY

BrBdeB

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