Em busca da festa perdida

Munido de um sentimento proustiano, vejo muitas buscas, encontros e conflitos, nestes tempos bicudos de pandemia, que eu prefiro chamar de “peste”, onde os muitos níveis de memórias pessoais, e sociais, são ativadas para cumprir calendários, e viver as celebrações, as festas.

Assim, viver os rituais coletivos, dentro de entendimentos diversos, são formas de traduzir um sentimento integrador que faz parte da festa.

Porque festejar vai muito além de comer, de beber, de brincar, de sacralizar, de sexualizar os encontros. Está na festa a possibilidade de transitar entre os muitos momentos do efêmero, que é experimentado através de calendários que culminam o cotidiano.

Há uma energia dominante na festa, que é a força de romper com o próprio cotidiano, de transgredir ritualmente as normas, as regras; de querer encontrar os seus mitos fundantes da etnia, da civilização; ou ainda encontrar um bolo para celebrar um aniversário.

Tudo isso mostra que, seja uma festa familiar, uma festa de um segmento religioso, uma festa de uma corporação de ofícios, entre tantas outras, a festa vem para atender aos desejos das sociabilidades, dos encontros, e do fortalecimento dos laços sociais.

As muitas festas têm muito em comum, porque todas nascem para viver um clímax, uma data ou um extenso conjunto de dias, conforme cada tipo de celebração e tudo numa espécie de síntese da vida, de um momento ritualizado que é anualmente preservado nas repetições simbólicas que identificam cada festa.

Assim, as festas são reguladoras, lúdicas; são alianças que reorganizam os sentidos da vida em grupo, como também marcam a moral, a ética, e os códigos orientadores do sentimento de pertença.

Este momento da festa se faz necessário para haver um tipo de arrumação nas relações sociais, e, dessa maneira, olhar para as hierarquias, para os papéis sociais de cada um dentro do grupo; ou mesmo rever e atualizar simbolicamente os papéis sociais. São os lugares que temos na cultura para manter a nossa alteridade.

As festas são profundamente funcionais, pois buscam equilíbrio, catarse, prazer, religiosidade, exorcismo, pagamento de promessa; ainda um desejo de comer um tipo de ingrediente, um tipo de cardápio; porque a comida é um dos mais importantes elos entre a pessoa e a sua história.

São tantas as formas para se viver a festa, para se trazer os sentidos do paladar, dos sons, dos aromas, das texturas, das cores; entre tantas outras formas de interagir com os momentos da festa. São esses comportamentos necessários para experimentar os sentimentos e os símbolos que identificam as relações sociais dentro da festa.

Entretanto, nestes cenários contemporâneos, as distâncias físicas são ampliadas, e afloram muitos desejos de querer o toque da pele do outro, sentir um abraço, um beijo, um carinho no rosto. Partilhar a mesma mesa, comer a mesma comida e beber a mesma bebida; para experimentar a comensalidade.

Há um desejo crescente por contato físico, presencial, um desejo de afeto e um sentimento de saudade.
Porém a “peste” mostra que para viver a festa verdadeira pode-se pagar, por este ritual social, com a própria vida.

 

 

RAUL LODY

BrBdeB

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